Charles Chaplin [E] e J.Edgar Hoover [D] - reprodução
Lendo as últimas notícias a respeito da repercussão da última edição da revista VEJA, que traz como reportagem principal as descobertas dos grampos e dos grampeados pelo delegado da Polícia Federal responsável pela operação Satiagraha*, fui tomada pela sensação de déjà vu. Seria uma sensação engraçada não fosse o assunto [muito] sério.
Pois bem. Na operação Satiagraha, os personagens principais são o delegado federal Protógenes Queiroz e o banqueiro Daniel Dantas. Lembrei de outra polarização, ocorrida nos EUA, entre o todo-poderoso do FBI, J.Edgar Hoover, e o cineasta e ator Charles Chaplin. O primeiro foi o intocável chefe do FBI por longos 48 anos. Sua carreira foi rápida. Em 1919 foi indicado para investigar estrangeiros suspeitos de subversão, e não parou mais. Poucos anos depois, em 1924, Hoover tornou-se o chefe do FBI, e é dessa época seu interesse em expulsar Chaplin dos EUA. Mas aí, durante a 2a. Guerra Mundial, sua obsessão só aumentou, e ele participou [ativamente] da caça aos espiões e aos comunistas nos EUA.
O posicionamento político de Chaplin sempre pendeu para a esquerda. Vários de seus filmes indicam essa tendência, principalmente Tempos Modernos (Modern Times, 1936), e principalmente o discurso final d'O Grande Ditador (The Great Dictator , 1940), onde o Barbeiro fala às massas, e Chaplin fala primeira vez. Em 1952, Chaplin viajou para a Inglaterra, mas o seu retorno aos EUA foi proibido pelo Serviço de Imigração, devido às acusações de "atividades não-americanas". Era o auge do Macarthismo. E quem liderava as investigações? J. Edgar Hoover. Por essa caça às bruxas, Chaplin decidiu permanecer na Europa, fincando raízes na Suíça com sua esposa Oona; Hoover sempre foi um homem de direita, um conservador feroz, intocável durante sua longa carreira [na década de 1960, passou mais tempo censurando o telefone de congressistas e perseguindo líderes do movimento negro do que combatendo criminosos de fato].
O ano de 1972 marcou a trajetória de ambos: Chaplin regressou ao país para receber o Oscar honorário pelo conjunto de sua obra. Hoover faleceu nesse mesmo ano.
Mas voltando aos personagens atuais, Protógenes de mocinho justiceiro agora figura como vilão insandecido, de fortes tendências socialistas combatente do banqueiro, capitalista e predador, Daniel Dantas. Mas afinal, o que distingue as duas histórias além da polarização de seus personagens reais? Talvez a ausência de uma obra monumental como a deixada pela genialidade de Chaplin.
* Operação Satiagraha, contra o desvio de verbas públicas, corrupção e a lavagem de dinheiro, desencadeada em princípios de 2004 e que resultou na prisão, determinada pela Justiça Federal em São Paulo, de banqueiros, diretores de banco e investidores, em julho de 2008. Em Portugal, 'lavagem de dinheiro' é chamado de 'branqueamento de capitais'.