Nesta
época é comum ver, além das retrospectivas, os apelos piegas ao tal espírito
natalino, abusos de expressões como “renovar esperanças”, previsões furadas de
astrólogos, tarólogos e outros loucos, textos que lamentam onde estão os natais
d’antanho, mensagens de boas festas com listas de virtudes. Meu impulso é
perguntar por que as pessoas não procuram ser assim o ano todo, e não apenas no
solstício que foi apropriado pela religião e pelo folclore para se tornar uma
data paradoxal em que se discursa sobre bons sentimentos enquanto se consome em
ritmo febril; até mesmo os nacionalistas se calam diante do fato de que a festa
não tem cara do calor de 34 graus. E então me ponho a pensar em como
generosidade e respeito, para ficar só nesses dois itens, andam em falta nos
tempos atuais, especialmente nas grandes cidades, e em como a tecnologia que
deveria nos aproximar nos tem dispersado. Mas lembro os Natais de infância,
comparo com o dos meus filhos e as diferenças se tornam irrelevantes, porque os
prazeres e as questões são muito parecidos. E os dias deliciosamente
desocupados, desacelerados, convidam ao balanço do ano, ainda que tenha tido
tantas tristezas em meu caso, e sem balanço não há avanço.
Somos
carne e pensamento, um não se dissocia do outro, e do mesmo modo o Natal é
ficar feliz em dar e receber presentes, é ver as crianças alegres com o que
ganham e pronto, sem místicas nem melancolias. Lembro que meu avô nos levava em
seu Opala, no banco da frente, câmbio atrás do volante, para procurar o Papai Noel.
Olhávamos para o céu e achávamos que qualquer luzinha era a carruagem de renas.
Quando voltávamos, ele já tinha passado e deixado os presentes sob a árvore. Um
primo mais velho me disse: “Cheguei até a ver a perna dele saindo pela janela”.
Eu devia ter uns oito anos e achei estranho; afinal, era só ter ficado ali que
com certeza o veríamos, já que eu nunca tinha conhecido ninguém que não
ganhasse presentes todo santo Natal. (Eu já estava acometido desta mania de
descrença: antes de fazer 6 anos, na minha primeira viagem de avião, assim que
ficamos acima das nuvens perguntei ao meu pai onde estavam os “anjinhos”. Não
era ali que diziam que eles moravam?) De qualquer modo, afora as comidas
saborosamente calóricas, quase sempre o presente fazia a dita magia da noite.
Digo “quase sempre” porque uma vez pedi um Piloto Campeão e ganhei uma
Motocleta. Inconformado, reclamei: “Que Papai Noel burro!” Mas a Motocleta,
espécie de triciclo evoluído, me divertiu muito mais ao descer a rampa do
abacateiro na chácara que tínhamos.
Ver
o sorriso de filhos e sobrinhos é boa maneira de encerrar o ano, como o fecho
de capítulo de um livro que ainda não terminou, e mesmo que não chegue a
redimir o capítulo ruim. Perdi minha mãe e, apesar das falas pseudo
consoladoras do tipo “É a vida” (não, é a morte mesmo) e “Tudo vai ficar bem”
(defina “bem”), a dor ganha intervalos, mas a ausência fica. Tive também uma
decepção pessoal, que abalou minha confiança, me tirou alguns quilos, me fez
ver de novo como nossos melhores esforços podem ser os mais injustiçados, como
a ingenuidade é amiga da vaidade, como a efusão brasileira pode ocultar inveja
ou egoísmo.
Também
não fico feliz ao pensar que para tantas pessoas uma experiência insubstituível
como ter filhos pode ser vista como algo que “atrapalha” ou, pior, que
justifica manter relacionamentos frios ou frustrantes, em vez de renová-los.
Mas terminei meu capítulo com páginas encorajadoras, confiante não apenas em
ter superado a fase crítica, mas também em não ter deixado o desencantamento
tomar conta. Aí está, se me permitem o toque natalino: não deixar o desencanto
tomar conta é o melhor presente.
falecido nesta sexta-feira, 30 de
dezembro, vítima de um AVC.